Disclaimer: a postagem de hoje foi escrita a quatro mãos e essa será a única resenha que o New York Café receberá no blog. O motivo? Só existe um tipo de hambúrguer lá. É, camaradas, essa hora chegaria, então aproveitem.
Como diria o canibal Cabôco Capiroba, de Viva o Povo Brasileiro, vamos por partes.
1- Nariz de Cera
Murilo: “New York city, I like New York city, oh, yeah… you know it’s true”.
Disse nosso querido e feioso Joey Ramone em seu último disco antes de bater as botas. Não sei por que as pessoas gostam tanto de NY, talvez um dia eu vá para lá e ache tudo muito legal e fique fascinado pela grandiosidade da cidade, as ruas que nunca dormem e todo esse blá, blá, blá, ou como me conheço, é capaz que eu ache tudo bem mais ou menos e que seja só mais uma grande cidade que engole a maioria das pessoas e cospe seus sonhos na beira de um rio poluído qualquer que corta a cidade.
Tudo isso é só para dizer que fomos no New York Café, aqui de Curitiba.
2- Descrição e conceito
Murilo: Se o lugar realmente parece com algum café de NY, eu não sei. Talvez sim, ou talvez pareça com a ideia de Nova York que temos por causa dos filmes e programas de televisão, ou por colocarem nas paredes vários elementos que fazem referência à cidade, lá mesmo não devem se autorreferenciar, eu acho.
Enfim, como disse, não conheço a big apple, o mais longe que fui da minha casa foi o Rio de Janeiro, então se um dia eu for para lá, eu conto para vocês como é, e se esse NY Café e o Brooklyn de Curitiba se parecem com algum lugar original from USA.
Assim como o Brooklyn, tem aquele lance de parecer com um galpão industrial abandonado, com tijolos a mostra, estão ligados que isso é só pra juntar aranha nos buracos do tijolo né, eu não sentaria encostado nessa parede. Tem um stencil legal, no alto de uma das paredes, de uns prédios icônicos da cidade. Tem um lustre gigante desses pretos com penduricalhos tipo pedrarias de acrílico, um estilo rococó moderno, ou art deco, que pra mim é tudo a mesma coisa. E numa parte meio escondida tem um letreiro com lâmpadas vermelhas formando as letras NYC, que achei bem legal, pena que não dava para ver direito. Na parte da frente, externa, tem um banco desses de praça num pedacinho de grama verde, uma provável referência ao central park e ao mesmo tempo a falta de espaço das grandes cidades.
Em uma das mesas tinham três meninas, três cabelos coloridos para três drinks coloridos. A de cabelo azul tomava em um copo alto do tipo de refrigerante (o refri é servido em copo de whisky), um drink amarelo clarinho. A de cabelo vermelho vivo(não ruiva), tomava um drink também vermelho forte, e a de cabelo preto uma bebida rosa claro, todos os copos com bastante gelo e um canudo. Duas delas tinham a blusa presa por dentro da saia, essas saias altas, para cima do umbigo, e a outra usava um vestido todo preto e comprido. Sim, eu observo as pessoas.
Yuri: Acho que o que o Murilo quis dizer é que mais uma vez nos deparamos com esse pastiche antropofágico com o qual somos obrigados a conviver vez ou outra em estabelecimentos temáticos. Ora, se é temático, é clichê, porque não é possível resumir uma essência a um espaço pequeno sem necessariamente incorporar seus elementos mais conhecidos.
O caso de Nova York é típico da profusão e polifonia que talvez a única cidade realmente cosmopolita dos Estados Unidos é capaz de proporcionar. Há a arte das ruas, há a arte pop das galerias, as luzes, a gentrificação de espaços industrializados, e enquanto estes elementos separados pouca coisa dizem ao nosso léxico de mundo, unidas representam bem o que é uma cidade grande em que o nível cultural é nivelado por baixo. Um lugar em que o Andy Warhol é rei é um sintoma disso. A Pop Art passou na história como a única arte que gente burra realmente acha que entende, e hoje não falta resquícios do legado desse movimento grotesco. O New York Café apreendeu esses signos e substituiu as luzes da ponte do Brooklyn por um lustre de madama, colocou uma parede de tijolos secos para representar a gentrificação, um grafitti da cidade para a arte urbana, quadros emoldurados de Warhol para a “fina arte” e pôsteres diversos porque pôster é uma coisa jovem e diz tudo o que seu dono quer que você saiba a seu respeito. Quem é que não gosta de pôster, não é mesmo?
3- O sanduíche propriamente dito
Murilo: Chega de enrolar, vamos para o hambúrguer, o NY Burger.
Quando chegou na mesa pensei: “Tá bonito o bicho…Olha quanta batata! E esse bacon! Mas e esse pão furado?!”
Pois é, tinha tudo para ser dos melhores sandubas com o qual nos deparamos na nossa jornada, mas… sempre tem um “mas” quando algo parece ser muito bom. Bonitinha mas ordinária. Lindo mas é gay. É legal mas vai na Wood’s…
Explicando os “mas” que fazem esse belo sanduíche não estar estar entre os tops do do nosso ranking.
Começando pelo pão, você pode escolher o tipo de pão(não lembro as opções), peguei o tradicional, que na minha cabeça seria o pão de hambúrguer, pão de leite, com gergelim ou não. Mas esse tradicional é mais tradicional ainda, é igual ao pão caseiro que a sua mãe faz, ou que aquela máquina faz na hora programada pra você que não tem uma mãe prendada (sinto pena de você, quais vão ser as memórias gustativas dessa geração de filhos das mães que não sabem cozinhar?).
É um bom pão para comer com margarina assim que sai do forno, e depois ficar com dor de estômago por algum tempo, mas não é um bom pão para um hambúrguer. Isso descontando o fato de não ter formato de pão, é uma rosquinha com a massa do pão. A casca do pão estava dura como pão caseiro aqui de casa, quase impenetrável para o garfo, e não dava para comer sem os talheres.
Então começou a operação desmanche e descobri que a melhor forma de comer é por setores.
Yuri: o pão foi o maior problema para mim também. Aliás, como os sujeitos do estabelecimento gostam de chamar, é um “bagel”. Mas o bagel, tal qual os americanos o conhecem, é um pão antes de tudo macio, podendo ser doce ou salgado, e frequentemente usado para fazer sanduíches. Até então, não havia visto um hamburguer em um bagel. O bagel do New York Café era duro como pedra, e o meu, coberto de queijo ralado tostado no forno, estava mais duro ainda. Pra piorar, por baixo da carne havia uma generosa camada de molho, e entre a parte de cima e a carne, uma porção de salada. Desnecessário dizer para quem fez as contas de cabeça que na primeira mordida me caguei inteiro, os tomates pularam para fora do pão, dois litros de molho caíram no prato e a carne escorregou pra frente. Vencido já na primeira mordida, resignei-me a comer com talheres, algo que nunca faço por achar contrário à natureza do hamburguer. Pois bem, os talheres também não funcionaram. Mesmo o garfo não conseguiu penetrar direito no pão, e a pressão da força para tal acabou surtindo o mesmo efeito da mordida. Na segunda tentativa, meu sanduíche todo bem montado estava espalhado pelo prato. Foi assim que ele veio:
Esse foi o maior problema do NY Burger pra mim: sua completa e ignóbil inoperância. De que adianta um hambúrguer que sai bem na foto e termina em um total desastre da forma? Fiquei irritado, e diferentemente do Murilo, que encontrou uma saída no ato de comer pão, carne e periféricos separadamente, eu comi tal qual um homem das cavernas para o desgosto das meninas supracitadas que me olhavam como se eu fosse o Capitão Caverna em pessoa. Tapa na cara da sociedade, também.
Murilo: Parte dois, a carne com o queijo e o bacon.
Pela primeira vez um queijo cheddar de fatia (duas fatias para ser preciso) e não aquele processado daquelas bisnagas que você vê nos caras que fazem cachorro-quente na rua. Ponto positivo.
Tem uma puta fatia bonita de bacon dobrada, não preciso dizer que isso enche os olhos e é uma delícia.
Esses dois em cima de um hambúrguer de 120g segundo o cardápio, mas achei que devia ter mais que isso, estava num tamanho bem satisfatório, suculento que escorria ao cortar. Não parecia carne moída e simplesmente apertada com a mão para dar forma, é uma carne bem processada e compactada, de “Angus Beef”, e tem gosto mesmo de carne assada, de bife de churrasco.
Yuri: O combo cheddar + carne + bacon mistura texturas e sabores de diferentes culinárias. O bacon infelizmente adiciona mais sal em um lanche já salgadérrimo, e pouco sabor comparado com a carne, que, essa sim, é mega suculenta. Um leve gosto de alcatra dava o tom de uma carne sólida e fibrosa, mesmo assim macia. A experiência mais próxima que tive disso foi no Elvis Costella, mas nem de longe aqueles caras chegaram perto desse resultado. O queijo, por sua vez, antecipa na mastigação a maciez da carne e prepara a mandíbula para uma pegada mais leve — pelo menos na teoria, infelizmente aqui existe esse bagel desastroso estragando tudo — e surpreendendo sua própria força maxilar com um obstáculo digno de se abocanhar com toda sua capacidade.
Murilo: Parte três, a parte inferior do pão com a salada e o molho. Alface branca em pequenos pedaços e umas duas rodelinhas de um tomate doce que derrapavam no molho que pra mim era um simples molho rose, rosé, ou também rosê, você escolhe como quer escrever.
Mas eles chamam de “russian dressing”: maionese com especiarias, mostarda, molho inglês e limão siciliano”. Eu preferia mesmo é que fosse uma russian undressing, se é que vocês me entendem.
Yuri: Nada que eu pudesse acrescentar a essa bela explanação. Até porque nem comi a salada. Já mencionei que ela pulou para fora do meu sanduíche na primeira tentativa infrutífera de mordê-lo e eu é que não sou o louco de recolher salada pra colocar de volta no sanduíche. Se escapou, escapou por conta própria e esse é um caminho sem retorno. Agora, o molho é bem gostoso e orna bem com a carne. Seria perfeito também para dar aquela umedecida no pão, mas fazer o quê? Já cansei de falar mal desse bagel e não vou insistir no assunto.
Murilo: E agora a coisa que fez desandar tudo e acho que foi o que me deixou mais frustrado.
Vem uma quantidade muito foda de batata frita, a maior porção que eu já vi como acompanhamento de um sanduíche. Uns baita palitos de batatas de verdade, uma lindeza! Mas, mais uma vez vem o mas… Sério, ou o maluco errou a mão ou sou uma mocinha mesmo (é, porque tem essa possibilidade também). É muito temperada, pra os iniciados deve ser uma pimenta leve, mas para que não é familiarizado, como eu, foi foda!
Foi tipo pegar uma garota linda, mas ela ter mau hálito. Você vai e encara um pouco, recua, pega um fôlego e volta a encarar, afinal não pode deixar passar porque não é sempre que chove na sua horta. É amiguinhos, a vida é dura e não é justa, reclamem com o seu Deus.
A parte do gosto do limão, do Lemon Pepper, é bem legal, mas a parte pepper …. senti ruborizar o rosto, os olhos quase lacrimejarem e os beiços arderem. O que ajudou foi o molho extra, Turbo Sauce, que pegamos (nessa hora eu não estava prestando atenção no que a menina garçonete estava explicando, mas ainda bem que ela ofereceu, o Yuri prestava atenção e aí aceitamos esse molho). O turbo sauce é um molho de queijos numa consistência pastosa, feito com cream cheese, provolone e cheddar, foi o que salvou para dar uma rebatida na picância do Lemon Pepper.
Pensei em desistir das batatas, mas comi todas porque estavam muito bonitas e seria um puta desperdício de comida, de dinheiro, e porque aqui o negócio é NYHC!!
Yuri: O problema com as batatas, (engraçado assim tipo The Trouble With Harry), é, como bem disse o Murilo, o tempero. A pimenta e o limão deixou a coisa com gosto de batata chips de rodoviária, daquelas temperadas também. Nada agradável e tudo muito forte. Aliás, diria que esse é o maior problema da cozinha do New York Café: o excesso de protagonismo. Tudo precisa ser uma explosão de sabores fortes, tudo precisa ter sua marca, não há coadjuvantes que amenizem as notas de entrada, não há jogo de texturas sem sabor, só existe porrada atrás de porrada, e isso não é jeito de se comer. Mal comparando, é como o filme Os Mercenários: só tem estrela e ninguém quer ser escada pra ninguém. O resultado, se vocês viram Os Mercenários, é uma merda. Acho que assim como a boa música não é feita apenas de notas, mas também de pausas, as pausas gustativas são igualmente importantes. Fica aí um ponto para reflexão.
Murilo: Por causa das batatas apimentadas dividimos, de uma forma muito homoafetiva, uma pequena sobremesa de chocolate, que ficou ao centro da mesa e cada um com a sua colher pegou pequenos pedaços do que seria um gostoso brigadeiro meio amargo gelado… mas essa cena prefiro esquecer e espero que você não imaginem muito, obrigado.
Yuri: Gay gay gay gay gay gay gay gay gay. Ah, foda-se.
Murilo: Resumindo, são bons ingredientes e quantidades, mas o pão não é funcional e faz com que o sonho comece a desmoronar, acho que também não precisava do molho rose, só um pouco de maionese já cumpriria o papel e deixaria menos temperado, todos os gostos meio que brigam para chamar a nossa atenção ao invés de se complementarem. Fora a errada de mão no “lemon pepper”.
E tem que ir cedo dia de semana, fecha às 20h.
Ficha técnica:
NY Burger
Ingredientes: “Hamburguer de 120g de Angus Beef, bacon, queijo cheddar, alface, tomate e russian dressing”. Acompanha batatas.
Preço: R$15,00(preço bom até) + coca-cola lata 3,00… mais o molho extra e metade do doce deu no total R$26,37.
Ponto alto: Boa carne e no ponto, bacon bonito, cheddar em fatias e a quantidade de batatas rústicas.
Ponto baixo: O pão rosquinha que não funciona e o excesso do tempero.
Avaliação: C
O New York Café fica na Rua XV de Novembro, 2916, no Alto da XV. De terça a quinta, das 12h às 20h, sextas e sábados das 12h às 22h, e domingo das 14h às 20h. (41) 3077-6922.